Quem sabe se eram, tinham, sabiam.
Quem sabe ainda os deuses não
tinham nascido para lhes dar nome, sempre com atraso, eles à espera,
convocados para uma ceifa nos tempos em que ainda não havia cereais.
Quem sabe o que acontece aos
primeiros que chegam, a vida ainda não era e quando é, é para se
viver, talvez quando o tempo fosse inventado viessem outros para
escrever, outros de mãos moles e ideias calejadas, revistas, tomadas
da memória do que nunca foi escrito porque o tempo e o espaço não
eram ainda possíveis nem necessários, quem sabe.
Quem sabe um dia já era tudo
nascido e a mulher inventou-se para ser silêncio porque os gritos
dos partos nunca foram belos.
Quem sabe depois ela disse que
sim e queria dizer que não, ou não sabia ou queria era só dizer,
porque dizer era estar, ser ou parecer, uma cópula de sintagmas que
lhe devolvesse a nascença roubada, lhe levasse a dor condenada.
Quem sabe ela tinha sido antes
uma coisa pousada por acaso, uma vontade vaga que de tanto anoitecer
se tornou muda e de tão muda branca, e de tão branca lua ou luz de
empréstimo, ou guia de escuridões que tudo dá no mesmo.
Quem sabe houve também uma
outra coisa lançada de um passado eterno, uma noção de princípio
que não foi, um sempre em frente inverso e infinito, um berço
pronto para o embalo do relâmpago ao nascer.
Quem sabe não queria tornar-se
ele mas que diabos estava na hora e os deuses com atraso como sempre,
quem sabe daí a urgência, a decisão, o caminho aberto, o riso, e
ainda a mão que rebenta dentre o nada e toca a pele branca, muda,
lua.
Quem sabe por isso os deuses
nunca mais chegavam e tiveram que inventar os nuncas e o sempre,
criar o tempo e o sol porque era preciso comer qualquer coisa
enquanto isso e trabalhar para comer e descansar para trabalhar, e o
raio dos deuses que não apareciam, pouca vergonha.
Quem sabe foi preciso descansar
e até morrer para deixar de esperar o que nunca tinha sido.
Quem sabe por isso a única
cópula possível abandonou os sintagmas e brotou da necessidade e o
que há-de ser de nós.
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