pelas frestas do orvalho desatamos a correr.
não nos persigas, vento, água, luz de ónix ou trovão.
desatamos os nós da via láctea, só ela nos pode arrastar pelo caminho alvo.
quem caminha não se detém porque no seu sangue não há nós, correntes
e quando as há, é só dar um salto,
descer pela humilde rua do ar
longe da fraca vontade que exercem os condenados à vida.
saímos todos à rua e gritamos: morte ao ausente, morte ao perene.
fujamos dos corpos. fechemos as portas à saída do antigo elo
que nos mantém atados aos olhos, às vísceras.
sentimos pelas mãos a descida da quente memória do ontem
quem sabe, fizemos um aceno fraco de voltar mas já estávamos ausentes,
os corpos nada garantem para além das moléculas.
estamos numa idade fraca para os gestos.
começamos tanta coisa, todas fluem por caminhos dispersos
e hoje está na hora da colheita, da mudança.
as carroças não aguentam mais o peso,
por isso as deixamos escorregar caminho abaixo.
do cimo, olhamos para elas com olhos de libertos ou quilombos,
contamos os passos para a queda, esperamos o barulho da última pedra,
do último pau.
os nossos corações estão agora livres.
somos irmãos.
cada passo que damos nos dirige ao céu de onde viemos.
nada nem ninguém nos detém nesta hora de partida
ao presente, nesta descolagem no início do futuro, esta aventura
de dragões e libélulas ao fim da tarde, ao início da manhã
do dia que já somos, não alices, mas coelhos brancos,
donos de jardins ocultos sob as árvores e os lagos.
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