velhos blocos de sais estagnados. fracas folhas em queda sobre os ombros do verão. acontece que para criar um grão de areia foram precisos milénios, e nós sacudimo-lo no duche sem dar por nada. acontece que os nossos ossos foram também moléculas aos trambolhões no fundo do rio ou na asa de uma águia no cimo da montanha. acontece pensarmos que somos donos de qualquer coisa enquanto tudo nos possui sem descanso, a começar pela fome, o frio, o sangue, o eu. acontece achar que somos livres enquanto somos escravos da nação, da língua, da cultura, o pensamento. acontece que só é possível libertar-se deixando-se escoar pelo ralo da vida como uma areia em agosto ou um cabelo em setembro. acontece que só assim desaparecemos da nossa própria escravidão, do peso dos sonhos perdidos, da dor dos pés e a cor da pele ou dos olhos.
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