rompem-se no caminho as fibras do poder
pelas ruas da mente antiga
ou o coração encurralado
estoiram
também
as velas dos oceanos escondidos
uma queda
um golpe
um corpo redondo que mergulha
e tudo se torna uma luz sobre as águas
um reflexo
uma lembrança espelhada que parte
o vidro das miragens
e torna a verdade tão nua
tão nossa
tão arma perante a distância ou o dardo
tão limpa do nosso poço interior
não há dano possível na torre
do terceiro olho
nem casa que abrigue o rancor
na terra da nudez
é liso o caminho de pedra do futuro
ocre o sol
verdes os campos
como deve ser
A Chávena de Humanidade
O Cháismo é um culto baseado na adoração do que é belo entre os factos sórdidos da existência diária. (...) É uma tentativa terna de atingir algo possível nesta coisa impossível a que chamamos vida.
El teísmo es un culto basado en la adoración de lo que es bello entre los hechos sórdidos de la existencia diaria. (...) Es un intento tierno de alcanzar algo posible en esta cosa imposible a la que llamamos vida.
Kakuzo Okakura
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
uma porta
deitamos cores como fogo ou areia nos olhos do outro
consentimos na força do esquecimento:
captar e raptar parecem-se demais e além das letras
por isso
não permanecemos mais do que um milénio escrito
há muito tempo atrás
não esquecemos os cabelos caídos a caminho
do comboio ou a escola
somos botões na casa da lembrança espalhados
no soalho da infância
guardados os corações no vinco do ódio
ou do amor
cada pérola um gesto congelado
esperamos porque somos fundos cheios
de conchas que borbulham desejos
fugidos
afãs perdidos na fronteira
da sétima onda e a segunda via que nos nomeia
sem mudar um ápice
uma vírgula
uma cor de cabelo que seja
somos cada fragmento de adeus na colagem
do fracasso
uma réstia de acenos calmos e olhos secos
um misto de promessas
e bolas de sabão
uma mentira com bilhete de ida e volta
uma porta.
consentimos na força do esquecimento:
captar e raptar parecem-se demais e além das letras
por isso
não permanecemos mais do que um milénio escrito
há muito tempo atrás
não esquecemos os cabelos caídos a caminho
do comboio ou a escola
somos botões na casa da lembrança espalhados
no soalho da infância
guardados os corações no vinco do ódio
ou do amor
cada pérola um gesto congelado
esperamos porque somos fundos cheios
de conchas que borbulham desejos
fugidos
afãs perdidos na fronteira
da sétima onda e a segunda via que nos nomeia
sem mudar um ápice
uma vírgula
uma cor de cabelo que seja
somos cada fragmento de adeus na colagem
do fracasso
uma réstia de acenos calmos e olhos secos
um misto de promessas
e bolas de sabão
uma mentira com bilhete de ida e volta
uma porta.
domingo, 25 de novembro de 2012
horta dos deuses
é a horta dos deuses
a vida em degelo caule acima até
ao côncavo do tórax
que rebenta
pétalas
é um canal de rego onde abrir-se os dias
como pulsos
derramar a fruta do
tormento
para tomar as rédeas como cabelos
virgens e
saltar
pelas costas da morte
sem sigilo
sem bicos de fés
sem aula
sem rede
a vida em degelo caule acima até
ao côncavo do tórax
que rebenta
pétalas
é um canal de rego onde abrir-se os dias
como pulsos
derramar a fruta do
tormento
para tomar as rédeas como cabelos
virgens e
saltar
pelas costas da morte
sem sigilo
sem bicos de fés
sem aula
sem rede
sábado, 24 de novembro de 2012
she things us
induz num estado de lar.
abrir-lhe as portas é crescer pelo vácuo, caminhar no púrpura até assentar na curvatura do tempo.
she things us when we think of her.
arrasta pela biosfera dos bichos mais ao rés-do-vão até estalar os ossos da gramática.
mergulher nela: ser sete cães a um posso.
não é lança em áfrica porque a terra é curta demais perante o mar amorfo do que corre pelas mãos, mole demais para lhe atirar coisas em ponta.
é bola de salão nas mãos que depositam o voo no olho
e calam
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
abrandar
abrandar.
perto é pelos olhos calados,
não pelas mãos ou pela língua.
é a linguagem
amuada
dos saberes longínquos,
dos cachimbos fumados no horizonte.
é a hora da água ida pelos anos,
meu amor,
a hora do vazio entre os segundos que defrontam
passados
onde não fomos o que éramos.
toca a andar pela berma,
o meio da estrada canta música arriscada,
pneus, travagens.
durmamos os corpos escondidos
as cabeças ao léu,
meu amor.
só por esta vez.
perto é pelos olhos calados,
não pelas mãos ou pela língua.
é a linguagem
amuada
dos saberes longínquos,
dos cachimbos fumados no horizonte.
é a hora da água ida pelos anos,
meu amor,
a hora do vazio entre os segundos que defrontam
passados
onde não fomos o que éramos.
toca a andar pela berma,
o meio da estrada canta música arriscada,
pneus, travagens.
durmamos os corpos escondidos
as cabeças ao léu,
meu amor.
só por esta vez.
domingo, 18 de novembro de 2012
everybody hurts
caminhamos por entre as costas dos outros
com as unhas agarradas
aos passados
pequenos
que foram aninhando-nos entre as costelas
como andorinhas no verão
passam as chaves
as estações
as ferrugens
tomam-nos os pulsos perante os corações
castigados
é preciso o inverno
enquanto avançamos como as mãos do réu
entre as grades
presos pela chave do que já
fizemos
ouvimos
dissemos
é preciso o inverno
caminhamos frios entre tactos
quentes
borbulhas de ausência à procura do líquido amniótico perdido
atordoados pela luz
pelos ecos estridentes dos corpos
pelas arestas dos pulmões cansados
pelos olhos dos outros
a demandarem o que
não nos pertence
o que não podemos
atingir
mais
com as unhas agarradas
aos passados
pequenos
que foram aninhando-nos entre as costelas
como andorinhas no verão
passam as chaves
as estações
as ferrugens
tomam-nos os pulsos perante os corações
castigados
é preciso o inverno
enquanto avançamos como as mãos do réu
entre as grades
presos pela chave do que já
fizemos
ouvimos
dissemos
é preciso o inverno
caminhamos frios entre tactos
quentes
borbulhas de ausência à procura do líquido amniótico perdido
atordoados pela luz
pelos ecos estridentes dos corpos
pelas arestas dos pulmões cansados
pelos olhos dos outros
a demandarem o que
não nos pertence
o que não podemos
atingir
mais
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
o que está certo
somos nos cruzamentos onde os sinais nos falam e espelham os nossos atos. cada serão, cada percurso é uma chance, um ponto de interrogação sobre o abismo do desejo. o que está certo nem sempre bate à nossa porta e mostra os documentos, mas chama-nos, ao longe, ao pé da árvore velha onde os avós dormiam a sesta enquanto as ervas completavam o seu trabalho de crescer e acariciar pescoços. o que está certo fala para nós com palavras embaciadas, por isso é preciso um ouvido à prova de nevoeiros, um coração quente, uma temperatura da alma em coesão com a língua. o que está certo raramente é morno ou seco; salpica-nos, queima-nos, afasta-nos do mole e tolhe-nos os dedos para deixar crescer as asas da vida.
dentro pelas horas
dentro pelas horas implosivas, no suor que escoa pelos poros dos segundos e os torna uma amálgama de desejos a caminho de buraco negro, coração centrípeto, sargaços que nos habitam as veias quando as lembranças se apagam e inauguramos os ventos das iras e as velas da fruta que não colhemos; dentro no gosto pelo último degrau antes da queda, o sabor do segundo antes do adeus, dos rebentos que se tornam flores como mãos entre nós abertas ou acusadoras, do céu ao inferno é um passo nos olhos, chovem promessas que se tornam barcos e o oceano nunca foi amigo do homem, por isso fugimos, corremos os estores, escondemos os lençóis que ontem clareavam e fingimos tudo ser fruto do acaso, a roupa estendida e o sol que não sabe amanhecer, aquela falta de jeito nos gestos, como se nada tivesse a ver connosco, como se nunca tivéssemos comprado o bilhete a nenhures, juntos.
sábado, 10 de novembro de 2012
saber quién eres
quieres saber quién habla por tu boca
no son tus héroes sino tus deseos
tus héroes son tus actos
tus mentiras
tus manos
quieres saber quién camina con tus piernas
como si esto cambiara
tus hombros
tus dedos
tus palabras escondidas
quieres saber quién eres
pero no será por tus gestos
o tus horas sentado
esperando la luz
como si existiera la llegada
como si fueras
como si nada
quieres saber quién eres
eres por lo que te dejas poseer
lo que tiemblas
lo que callas
lo que arrancas desde dentro
lo que te empuja a sentir sin recompensas
quieres saber quién eres
eres la noria
la escalera
la rueda del tiempo
la ventana
quieres saber quién eres
eres una hora
una piedra
un nido
una rama
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
praia
porque me pediste
uma praia
(sabias que podias pedir-ma)
porque eram horas
de cantar e o tempo saiu errado
porque a linha horizontal é
mais tendente para a queda
do que a falésia quando as mãos chegam
mornas
e o tempo põe de molho querenças
e desafios
porque houve dias em que não soube
se fazia calor ou sono
e houve apenas uma pontinha de sol através de uns cortinados
um sofá calado
como as sestas ou os pássaros de noite
porque houve portas e lençóis e ideias
descartáveis entre as partes idas do dia
e janelas com chuva
mar
fogo
por isso
e porque o tempo é circular
como a perfeição grega
e as grilhetas
é a vez de a praia falar
uma praia
(sabias que podias pedir-ma)
porque eram horas
de cantar e o tempo saiu errado
porque a linha horizontal é
mais tendente para a queda
do que a falésia quando as mãos chegam
mornas
e o tempo põe de molho querenças
e desafios
porque houve dias em que não soube
se fazia calor ou sono
e houve apenas uma pontinha de sol através de uns cortinados
um sofá calado
como as sestas ou os pássaros de noite
porque houve portas e lençóis e ideias
descartáveis entre as partes idas do dia
e janelas com chuva
mar
fogo
por isso
e porque o tempo é circular
como a perfeição grega
e as grilhetas
é a vez de a praia falar
crateras
pelas asas da escuridão
sobre a pedra desabrocha o cúmulo
da paciência - a arte de
voar
por sobre as coisas
grandes, tão grandes que impossíveis e fruto
seco
do delírio ativo que encorpamos
louca-a-louca como a memória a visão que
enxerga o pequeno a meio da noite, os buracos
por onde o corpo se enfia na alma espezinhando
medos gastos pela memória, na hora certa
em que se metem as fés pelas mãos essas
crateras
de solidão onde os corpos ensaiam
uma
e outra
vez
como a cegueira
como a unha que se encrava
na carne quando há miséria a tintar os ossos
da indecisão
e a noite nos cresce
dentro e nos habita
como
um cacto
no
sertão
sobre a pedra desabrocha o cúmulo
da paciência - a arte de
voar
por sobre as coisas
grandes, tão grandes que impossíveis e fruto
seco
do delírio ativo que encorpamos
louca-a-louca como a memória a visão que
enxerga o pequeno a meio da noite, os buracos
por onde o corpo se enfia na alma espezinhando
medos gastos pela memória, na hora certa
em que se metem as fés pelas mãos essas
crateras
de solidão onde os corpos ensaiam
uma
e outra
vez
como a cegueira
como a unha que se encrava
na carne quando há miséria a tintar os ossos
da indecisão
e a noite nos cresce
dentro e nos habita
como
um cacto
no
sertão
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
cubre
cubre
un manto blanco que sopla como
una brisa muerta
cansadamente reducida a menos
la nieve sobre ojos acristalados acalla como
emociones viejas
esos dedos como agujas
esos gestos de moho o acidez
antiguos verbos pastosos como
pintura al óleo en una boca nueva
en los huecos invisibles del blanco avanza
una brizna que
pequeñamente
grita que lo que fue ya fue y el agua
viene del mismo lugar y la gravedad
nos obliga a pelear cada segundo
de vida en dirección al sol
a despegar las alas aun con
el peso de las plumas y el barro y desear
la brisa fría que nos limpie aunque sea
a golpe de estalactitas caídas del
cielo o invierno
un manto blanco que sopla como
una brisa muerta
cansadamente reducida a menos
la nieve sobre ojos acristalados acalla como
emociones viejas
esos dedos como agujas
esos gestos de moho o acidez
antiguos verbos pastosos como
pintura al óleo en una boca nueva
en los huecos invisibles del blanco avanza
una brizna que
pequeñamente
grita que lo que fue ya fue y el agua
viene del mismo lugar y la gravedad
nos obliga a pelear cada segundo
de vida en dirección al sol
a despegar las alas aun con
el peso de las plumas y el barro y desear
la brisa fría que nos limpie aunque sea
a golpe de estalactitas caídas del
cielo o invierno
terça-feira, 6 de novembro de 2012
brutal
Brutal a maneira como acordo para os silêncios da tarde.
Brutal como lágrimas de riso.
Cedo porque para o vácuo nunca é tarde.
Alto porque para o roxo nunca há escada.
Fundo porque ao pé nunca chegamos
por dentro,
por dentro,
como veia ou osso, mas envolvendo
os olhares,
os olhares,
fazendo das intenções uma funda
ou véu que
ou véu que
apenas inspire o tacto pelo som
de uma nota
de uma nota
ou o cheiro de uma folha seca
em novembro,
em novembro,
o mês do chão mole, da humidade
onde se cozem
onde se cozem
o nitrogénio, as minhocas,
as urtigas que nos obrigam a amar
a hortelã
a hortelã
mais do que é costume.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
pineal
tudo à frente da glândula pineal, tudo atrás dos olhos, no ponto exato onde os corações ultrapassam a velocidade do som e da luz e compreendem que o espaço é a grande mentira, que tudo é uma agulha do além que se espeta no momento certo e cria o que pensamos ser um instante, a ilusão que atravessa os peitos para poder sonhar os tactos que nos fazem sentir vivos quando na verdade nos aproximam da morte das células no outro; tudo a viajar entre dois mundos, os céus que se perdem por entre as grades que nos separam dos esgotos para renascer à frente da ria, de um canal onde nada flutua porque tudo é alheio aos corpos que habitamos, tudo é sem pertos nem longes porque não existe a distância ou o apego além do sonho ou pesadelo que escolhemos habitar a cada instante.
domingo, 4 de novembro de 2012
coordenadas
não existe o fim, minha irmã. não existe além das costas e as correntes, os ossos, as espinhas e as estrelas de mar. não existe o termo, zénite ou prova final; há quem sonhe com fitas e flores e músicas, a toada do líder ou o veloz entoam a mesma nota que se finge cheia de significado, farta em sorrisos e olhos, e mãos que batem uma com a outra ao ritmo da soberba; não existe a chegada, minha irmã, ou o fim. não existe, todos os caminhos são circulares, as coordenadas da vida se repetem, os deuses sempre jogam, usam-nos como peões das suas horas perdidas e nós vamos nos encontrar um dia no meio do nada ou da tarde, tu cheia de louros e eu de pó, tão diferentes, tão iguais, no mesmo momento e no mesmo lugar.
sábado, 3 de novembro de 2012
babel
sabemos cómo el destierro hunde sus cascos en la piel. sabemos cómo las olas o el granito se conforman con sus destinos y se embisten hasta parir playas donde ayer soñamos habitar atardeceres y delfines. sabemos que no es el hoy quien nos rige, o el humo, sino las hojas que caen mientras deshojo este poema ante la mirada atónita de los que ignoran el signo de la danza. sabemos que no nos aturde la brisa sino el juicio, las verdades escondidas en el pecho agrietado, gastado a base de intentos y desoves. sabemos que no es el agua quien se cuela en nuestra sangre sino la rabia, la fuerza con la que la deslealtad interior nos empuja hacia el olvido, el odio o la nada que sentimos por el otro, la obstinación con la que nos afirmamos hijos de distintas madres, la devoción en la lejanía del tacto, la muralla de las palabras con las que nos mentimos todos los días posibles, de todas las maneras posibles, en todos los idiomas posibles.
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
doma
ergo a mão e à frente dos olhos cinzentos galopam cavalos que engolem o tempo, entregam até às vísceras do poder de olhar sem entender, o desenho vivo de umas crinas que são beleza porque acompanham a equação perfeita entre a inércia e o desejo, a combinação dos músculos a salvaguardar a honra de se ser animal; assim, com todo o fogo, a imponência, a altura com que se é o próprio no momento certo, o maxilar precioso para nutrir os cascos que a custo deixam na areia um quê de esforço suave, a marca de aura do que nos é próprio. deixo no pé dos minutos o cheiro de vontade, de doma, de caça ao instinto para o tornar a maior das obras, para encaminhar o porte e o incêndio interior para a subtil porta do guerreiro sem apoquentar o coração, que é quem mais se afoita e arrisca ferver os lírios do futuro a cada instante.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
está tudo a cavalgar
está tudo atrasado, linhas, palavras, ligações. está tudo na hora perdida, espalhado nas quatro direções, está tudo a cavalgar o lombo dos mais de quatro ventos que governam o hálito que nos atravessa, tudo perdido pelos caminhos inconclusivos como romances de mãe. está tudo ausente nas minúsculas, afastado, cinzento de tanto caminhar à nevoeira, está tudo uma coisa velha entre os desejos que torna as dobradiças secas, gritantes, cantoras à revelia do que a alma pediu e não se soube dar. está tudo estendido nas tardes, na cama, como lençóis de casa velha, está tudo anacrónico como um carrossel porque não há como pôr em dia a vida sem palavras, sem linhas, sem folhas onde deixar um cuspe ou uma impressão digital que valha.
Subscrever:
Mensagens (Atom)