A Chávena de Humanidade


O Cháismo é um culto baseado na adoração do que é belo entre os factos sórdidos da existência diária. (...) É uma tentativa terna de atingir algo possível nesta coisa impossível a que chamamos vida.

El teísmo es un culto basado en la adoración de lo que es bello entre los hechos sórdidos de la existencia diaria. (...) Es un intento tierno de alcanzar algo posible en esta cosa imposible a la que llamamos vida.

Kakuzo Okakura

sábado, 29 de dezembro de 2012

cactus

siete horas entre todas. cuánto falta para el hoy. qué débiles somos ante la huella del amor. cómo quisimos. cómo dejamos de querer. cuántas veces busqué tu adiós y me lo negaron tus manos que no fueron oscuras aunque fueran parcas. no tomemos el camino aún. no enfrentes las semanas que huyeron. todo fue mentira, siempre. al parto de la verdad, que es ahora, no le interesan tus labios. me siento ante la tarde. yace el año largo y mentiroso. cómo hemos podido escupir en nuestras manos y querer regalar flores a todos. es fácil crecer entre los cactus, lo difícil es ser cactus y quererse. y crecerse.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

voa longe

voa longe, pássaro funesto. breves foram as pedras mas a cada pena que largas o coração é turvo e fraco. sobes pelas paredes do futuro porque não percebes que o amanhã não é teu. é simples o jogo da morte, e é a tua vez. salto por cima das sombras com que me envolves, sei que das janelas ouve-se a chuva que anuncia a primavera: ao longe, março rebenta em borbulha nas sete luas de outubro. não há como fugir às asas da vida, essas sim, trazem sempre a verdade, mesmo se embrulhada em panos velhos. e já te disse: voa longe, pássaro funesto, é a morte, é a tua vez.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

alguém

subo pelas hastes, sim, a custo. como um guerreiro descubro ter sangue nas veias e cuspe na boca. há dias em que as espirais são mais antigas e phi só conta para trás em infinita corrupção da vontade, como um espelho da infância a puxar pelo caráter, esse jugo cujas setas são as memórias vertebrais, o hábito de temer de tantas maneiras como areias tem a praia, sendo que a praia não é o grão de areia, e assim os medos são todos uno. medo porque enquanto conto as areias e enterro as conchas mortas, alguém voa longe e eu sinto a penugem que deixa no caminho e se enfia nas concavidades minhas como um grito agudo, alguém que não me deixa, que não me larga, alguém que me fere à distância em que digo não de novo, alguém que foge do destino, alguém que somos todos e por isso também sou eu.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

margens

margens onde estarrecer de puro vácuo e olhar nos olhos dos outros com a distância ganha pelo coração, porque vivemos um tempo em que isto um dia são dias e não é possível esquecer que as orquídeas nascem nos troncos e nas bermas, vadias, imprevisíveis e determinadas como foguetões. por isso convocamos cada onda como um novo oceano e ouvimos palavras de mercador, por isso mergulhamos nos sonhos dos outros e nos deixamos ir na conversa dos barcos até nos encontrarmos no alto mar sem leme nem estrelas para seguir. por isso é preciso ter cuidado com os ombros, com os dedos, com as gotas de sangue que não somos mas nos doem tanto. por isso é preciso olhar para o céu e lembrar que ele não é esse, mas está lá para nós.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

validade

nada como a validade para o coração e os ossos da raiva, que são frágeis e se jogam sobre os outros como o granizo sobre a erva. chove e todos contam passados com os dedos, palavras, gritos ou dias em que tudo deu certo pelo caminho do erro. mente-se quem deita sobre o outro o olhar da ocasião sem ir ao fundo, mas também quem acha que a escada da vida não desce à noite. hoje acordamos heroínas e amanhã vilãs, prende-se a sombra às nossas asas e torna-se urgente desviver o passado erro a erro. nada como ser claro mas não alto, nada como ser pequeno e olhar em frente.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

matar ou morrer

há a crença do verbo, o salitre dos lençóis que crescem aos pés das camas perdidas nos desejos ao pé do oceano; há a vida da verdade incandescente que queima e empurra a matar ou morrer. dela me vingo, porque sei que as horas não nasceram para a violência mas mesmo assim num outro dia sem data, sem lugar nos arrumos do calendário, agrido, vingo, queimo, sangro. são doces como as tardes na praia as vozes do amanhã que se apresentam em jeito de ramos, casas a cair, encostas, pernas. tantas pernas a subir a estrada do futuro que já construímos para esquecer e recriar o pão. e assim seguimos pela estrada da ferida acima, a querer água e beber sangue enquanto julgamos que não temos culpa a não ser a da memória instalada nas células, na nuca dolorida pelo ego, essa criança louca que nos governa pelos cabelos e a quem sempre falta algo.

mochos

Derrotamos os anjos do frio enquanto os corações se batem em retirada até vencer pelo vácuo as escalas programadas, firmes e sem despertar a distância. Somos peixes num aquário de paredes mates, tu, eu, todos os que na ilusão da liberdade abrem os olhos de manhã e acreditam que essa estrela é mesmo Sírio, que a praia é feita de areia quase branca e o chá já está morno, assim sem mais nada, deixando tudo acontecer sem ninguém desmentir a chuva, os motores que esquentam a cidade, as estradas como veias grossas. Acordamos quando adormecemos, por isso, apesar de escravos sem remédio sabemos que só o coração nu atravessa as grades invisíveis e nos torna livres, por isso somos como o mocho numa noite sem estrelas, por isso voamos sobre os corpos sem ninguém dar por nós, de asas abertas e olhos escancarados, à procura do que ninguém vê.

sábado, 15 de dezembro de 2012

dentes

dentes como quartzos, como pedras rosetas numa terra virgem. ligar a luz pelos poros, não há lugar fora do sorriso e as luzes fazem sentido no aconchego da boca. morna. lentos em dizer a vida porque enchem as horas sem esperas, sentado num canto a dar as boas-vindas ao minuto, dentro a correr pelas florestas caminhadas sem passos à espreita dos bichos calados, aquela criança, aquela mão que afasta a erva para conhecer o percurso dos artrópodes. dentes lúminos com que beijar palavras escondidas na idade antiga, com que dançar os silêncios espreitados do canto, a música dentro, os passeios. a clara chegada dos rios à boca da manhã, fulvo brilho da vida à espera do chá e as pedras.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Dá-me

Dá-me as águas do tempo ido pelas bermas dos lábios

Dá-me a cansada visão do ontem
a vida pelos ombros como lã ou algodão florido

Dá-me vinte notas de beijos ou a cada passo uma razão

Dá-me pelo dia uma palavra que desmentir à noite
quando os sonhos nos tornam pessoas verdadeiras e sozinhas

Dá-me cada erva em que te deitas para investigar a música dos bichos 
e do orvalho

Dá-me a penumbra em que te tornas uma ideia fraca 
ou um presente dos adeuses

Dá-me mãos como arames farpados 
a tocarem instrumentos prontos a morrer nas ruas 
cada dia com cada pessoa que passa
e te olha

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

uma pessoa

 Para a Ana Paula

uma pessoa qualquer
numa tarde qualquer
de um dia qualquer
diz:
os homens são fracos.
será que é preciso guiá-los, pergunta-se.
mas uma pessoa
quer água, não reboques.

uma pessoa acha que por vezes
se lhes juntam nas palavras as mãos e outras coisas
e assim, de repente,
num gesto de distância há um caminho de volta.

isto é chato
porque
o que uma pessoa gostava de saber é
a cor do mar na memória,
se há risos nos verões da infância,
se enxerga além do peso e a medida.
isto último é importante, por mutável
e empírico demais.

uma pessoa que é pessoa
detesta princesas e sabe que os olhos
pelos seios
deslizam como claras em castelo
vazias e perecíveis.

é por isso que às vezes
uma pessoa qualquer
numa tarde qualquer
de um dia qualquer
gostava de ser árvore.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

noiva

datas são memórias: entre as sete saias da noiva se esconde um pássaro vibrante e leve que desenha anseios e receptáculos. entre as mãos da noiva paira uma névoa, um canto longínquo, qualquer coisa entre criança e colo, avança e embala-se nos braços uma estória repetida milhões de vezes, e ela acredita, porque as horas passam e é preciso a sopa quente e o ninho, porque falam as avós e amanhece como antigamente, porque é outubro e a lua entra com chuva e os homens falam forte e convocam lareiras e aconchego.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

quem dera

quem dera um deus pequeno para contornar
a falta de fé no verbo humano
uma pele que soubesse receber
um corpo grande doutorado em praia e colo

quem dera uma boca feita em risos sem alvo
uma casa de homem ou um rio
onde deitar as armas e descansar as costas
das descidas, da chuvarada, do caminho

quem dera uma rua de mãos claras
dispostas a soterrar os ventos no olhar
plenas pela palma como um mirtilo à tarde
fundas como um passeio calado

quem dera uns cabelos trançados
que pelos cantos dos olhos telhassem a noite
varressem as verdades a caminho da batida calma
quem dera as nuvens sob o teto do coração franco
quem dera a brisa no verão, a água, a confiança

casas velhas

nós conversamos e as nossas gargantas discutem a curvatura do tempo ameno nas ruas onde as casas velhas se tornam amigos na hora da praia, do sol que nos fere a pele que lambemos com línguas pretas como asas enquanto o mundo respira só num esforço, essa diástole que nos empurra ao encontro dos outros, de pés a arrastar, as unhas encravadas na parede caiada, de boca em grito, nós, empobrecidos habitantes de uma biosfera enlouquecida que guarda a pior carta na mão de um mágico esquecido, nós, que já fomos deuses pequenos, cansados, como de sexta-feira à tarde, rígidas estátuas que convocam o medo e outros dejetos que afastem da verdade inefável da alma e o caminho do guerreiro, nós.

relento

ergue-se pelas pernas a dor
pelas coxas a dor
pelo rio do sangue a dor

concentrada no ponto onde morremos para a inocência há tanto tempo

não sentimos a pedra como afogamos o grito
dormidamente alimentamos o complô da memória
para preservar a casa branca do futuro
o búnquer das mãos aflitas pela beleza
esqueléticas de tanto acenar um adeus antes do início
escondidamente moles sob a película do medo
trementes do concreto
perdidas a correrem do lobo mas
loucas à procura dele
do castigo que sem saber pretendem
do dente de diamante a rasgar o ouro
sem sequer se lembrar da água
da correnteza
do sol e a vida lá fora

não somos amigos da lua
e no entanto
esquecemos tanta vez puxar da descarga do trovão
para acreditar piamente
na mentira
da porta fechada por outrem onde nos trancamos a fingir
solidão ou ira
a mentira
das nossas termas últimas
escondidas
convexas como o instinto
de morte
aguçadas até atravessar o espelho
e reviver à janela
as águas-furtadas à vida
o salitre
o riso
o relento

sábado, 1 de dezembro de 2012

mayo

se vierten los ojos como pensamientos oscuros, nada nos detiene ante el corazón guardado, ante las manos llenas de lava fresca, cada flor es una excusa para un tallo, cada risa una diana en el conjunto de las voces antiguas que nos cantan dentro, nos reman las entrañas, nos guían al epicentro de la estrella que pudo ser pero nadó entre nuestras olas y nos parió las noches y los días. se vierten los brazos líquidos de mayo sobre el verano y nadie nos quita las ganas de subir la montaña blanca, seguir al elefante hasta el comienzo, danzar bajo la mirada atenta de los ídolos gastados, fingir un tam-tam o una arena franca o una roca amiga en medio del mar, agarrarse a la soga del aliento dulce y nadar lentamente en una pregunta: te amas?