Quando criança
Eu sei que você
Me cuidava escondida por trás daquelas ondas
Gigantes
Quietas
Ameaçadoras
Eu tenho certeza que você
Segurava aquelas águas
Que me deixavam paralisada
À beira da praia
No pesadelo mais longo, mudo e repetido de todo o meu sempre
Me perdoe,
Eu era tão criança
Que nem sabia que você existia
E no entanto
Você existia mesmo
E existia, de certo jeito,
Para mim.
Você existia na minha cor favorita
Tão favorita que era inútil me oferecer lápis de cor ou caneta
Se não fosse jogo de 36
(Para quem não sabe, a cor do mar só tinha em estojos de 36).
Você existia nos golfinhos de Menduinha
Que eu esperava horas para ver passar
Ao longe no lusco-fusco
Você existia em tanta coisa,
Existia na voz da minha avó,
Que era forte e amorosa
E tinha ficado sem marido.
Você existia no jeito como eu olhava
Para os mapas de África
Decorando uma e outra vez
Nomes de países, capitais, rios
Você existia nos meus dentes separados,
Nos meus seios que viriam a ser grandes
Nas minhas mãos compridas
Nos meus brincos de prata
Nos meus caracóis impostados
Mas você existia, sobretudo,
Nos meus sonhos
Porque em criança,
Quem sabe o porquê
Eu só queria desenhar praias,
Para poder estender o verde-azul do mar
Até o limite do céu
E do papel
Hoje não sou mais crianca
Aprendi que você existe
Me protege, me guarda
Por isso hoje esqueço
Lápis, golfinho, maremoto,
E grito
Odoiyá, Iemanjá!
Odoiyá!
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